Jusbrasil

PROPAGANDA ELEITORAL NOS CULTOS E O ABUSO DE PODER RELIGIOSO.

Dr. Felipe Carvalho[1]

José Fábio Lima Dantas Júnior[2]

Leandro Peradeles[3]

 

Com a aproximação das eleições, é natural que as pessoas comecem a apresentar o seu apoio a determinados partidos e candidatos. Atualmente, tal conduta não é diferente no ambiente religioso em que muitas vezes acaba lançando seus próprios candidatos que defenderão os mesmos valores e bandeiras.

Se por um lado, é legítimo a defesa dos interesses teológicos de uma organização religiosa, porquanto se trata de um direito constitucionalmente garantido[4], por outro lado, não é concebível utilizar-se dos fiéis como massa de manobra política para angariar votos à determinado candidato de forma irregular e com abuso de poder, porquanto desequilibra o processo eleitoral.

Isso porque a Lei das Eleições[5] (Lei n° 9.504/97) proíbe que partidos e candidatos recebam direta ou indiretamente doações em dinheiro, inclusive de publicidade, por entidades religiosas. É o caso, por exemplo, do preletor que ao invés de pregar ou apresentar o sermão, utiliza-se da estrutura do templo e do culto para apoiar ou atacar candidato ou partida, realizando uma verdadeira propaganda. É importante ressaltar que os templos são considerados, pela lei das eleições, como bens de uso comum, não se permitindo a propaganda eleitoral[6], e ficando a organização religiosa sujeita à multa, conforme art. 37, caput e §§1° e 4° da Lei das Eleições.

Se, por um lado, um ato isolado é sujeito à multa, a sua reiteração poderá se caracterizar como abuso de Poder Religioso. O abuso de poder religioso, nas palavras de Kufa[7] é: “o desvirtuamento das práticas e crenças religiosas, visando influenciar ilicitamente a vontade dos fiéis para a obtenção do voto, para a própria autoridade religiosa ou terceiro, seja através da pregação direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou, ainda, outro meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica”.

Vale ressaltar que segundo acentua José Jairo Gomes[8], uma forma atípica de abuso de poder, porquanto não está prevista na legislação e na Constituição, mas é reconhecida pelo TSE[9] quando associado a qualquer outra figura típica de abuso como, por exemplo, com o uso indevido dos meios de comunicação ou quando há contribuição financeira da organização religiosa.

O uso abusivo do poder tem a força de desequilibrar o processo eleitoral, colocando outros candidatos em situação de desvantagem, maculando a liberdade de voto dos fiéis/eleitores, dado o temor reverencial existente no ambiente religioso.

Por isso, o abuso de poder, quando grave o suficiente para interferir na normalidade e legitimidade das eleições, o candidato beneficiado é punido com uma das penas mais severas do direito eleitoral, que é a cassação do registro ou mesmo do diploma, cumulando com a inelegibilidade do candidato por 8 anos[10].

Por fim, é importante ressaltar que não se está a cercear ou censurar a liberdade religiosa que os preletores, em cultos ou cerimônias religiosas, têm em suas homilias, sermões ou pregações. Até porque, o próprio TSE[11] já entendeu que o sacerdote, em transmissão ao vivo do culto, não dá tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação, mesmo que tenha veiculado ideias contrárias a certo partido. Isso porque, conforme consta na decisão citada, é necessário que haja a vontade livre e consciente de atuar de modo a favorecer ou prejudicar o candidato, partido ou coligação.

______________________

[1] Advogado, Coordenador Jurídico do SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica, responsável pelo Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito Parlamentar e Eleitoral. Assessor Jurídico Internacional da ANAJURE perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

[2] Trainee do SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica. Membro do Núcleo Técnico Jurídico de Direito Parlamentar e Eleitoral.

[3] Estagiário do SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica. Membro do Núcleo Técnico Jurídico de Direito Parlamentar e Eleitoral.

[4] Constituição Federal de 1988, Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[5] Lei n° 9.504/97, Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: […]VIII – entidades beneficentes e religiosas;

[6] Lei n° 9.504/97, art. 37, § 4º. Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada.

[7] KUFA, Amilton Augusto. O controle do poder religioso no processo eleitoral, como garantia do estado democrático de direito. Justiça Eleitoral em Debate, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 21-24, jan./mar. 2016.

[8] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 762

[9] RESPE 828920166090139 Luziânia/GO 29602018

[10] Lei Complementar 64/90, art. 22, XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

[11] Rádio e televisão – Programação normal e noticiário – culto religioso – transmissão direta – artigo 45, incisos III e IV, da Lei nº 9.504/1997. Descabe enquadrar, nos incisos III e IV do artigo 45 da Lei nº 9.504/1997, transmissão ao vivo de missa na qual, em homilia, o sacerdote haja veiculado ideias contrárias a certo Partido, tendo em vista que a norma pressupõe o elemento subjetivo, ou seja, a vontade livre e consciente de atuar de modo a favorecer ou prejudicar candidato, partido, coligação ou respectivos órgãos ou representantes”. (Ac. de 21.2.2013 no Rp nº 412556, rel. Min. Marco Aurélio.). Disponível em <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/jurisprudencia-por-assunto> acessado em 22 de jun. 2020.