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Covid-19: A redução dos contratos educacionais a ótica do consumidor.

Rayssa Pereira [1]

Nathália Barreto [2]

 

Aulas presenciais suspensas por período ainda indeterminado, validação do Ministério da Educação para o ensino à distância em todos os níveis da educação, continuam os planos de contingenciamento e isolamento social, as instituições de ensino de igual modo estão fechadas, os alunos seguem em casa…

O impacto causado pelo coronavírus ocasionou um esforço outrora inimaginável em toda a rede educacional privada com relação a prestação dos seus serviços, uma vez que, a obrigatoriedade de cumprimento do calendário escolar por parte das instituições tem se contraposto a constante reivindicação de pais e/ou responsáveis financeiros: “quero desconto! – total ou parcial nas mensalidades -”.

Tal premissa, partindo-se exclusivamente da ótica do direito do consumidor, em especial, do artigo 6º do CDC no que diz respeito à onerosidade excessiva, reduziu o efetivo trabalho escolar assinalado no contrato de prestação de serviços educacionais, que frise-se, tem vigência anual de acordo com a Lei de Mensalidades-, as mais diversas solicitações em desfavor das unidades escolares perante os órgãos de proteção ao consumidor, ministério público, tratativas em assembleias legislativas ao redor de todo país, e por fim, ao poder judiciário.

Na esfera judiciária, a exemplo, temos a recente decisão da 27ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, que em sede de tutela de urgência, concedeu um desconto no valor da mensalidade de uma acadêmica no percentual de 30%, sob o fundamento de que o Covid-19 revela “evidente desproporção entre o quantum mensal a que se obrigara autora, quando da celebração do contrato de prestação de serviços educacionais, e o momento da execução.

A decisão proferida contraria o entendimento da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), bem como do próprio Procon/SP, que em Nota Técnica emitida, respectivamente, arguiram que o ensino perpetrado à distância não resta por configurar ruptura ao objeto do contrato, e nesse sentido, é conferida a análise contratual para negociação, cabendo a instituição negociar alternativamente o pagamento das mensalidades, respeitando-se a vulnerabilidade do consumidor, a transparência e a boa-fé.

Há que se pesar que, enquanto parte hipossuficiente, um responsável financeiro obtém, por dever legal, facultada a oportunidade de negociação perante a instituição, entretanto, o fato superveniente que fundamenta as reivindicações não pode se olvidar que a pandemia também trouxe reflexos negativos e gravosos para as instituições, que seguem com a obrigatoriedade de cumprimento do ensino pactuado.

As consequências do coronavírus na readequação do calendário letivo, da carga do corpo docente, do seu respectivo pagamento, das custas em torno da folha de pagamento e tributação incidente quanto aos funcionários, acrescida da aquisição de maquinário tecnológico para efetivação do ensino à distância, restam por demonstrar que o tecnicismo jurídico extraído da leitura do “fato superveniente” não pode omitir a realidade dos fatos: se a autonomia das instituições e a incolumidade dos contratos for reduzida à batalhas judiciais, todos sairão perdendo.

Estratégias pontuais podem ser adotadas pelas instituições de ensino com a finalidade de afastar a inadimplência e a insegurança jurídica que poderão acarretar rescisões contratuais, tais como diluição das mensalidades, manutenção de eventuais descontos de pontualidade, bolsas ou afins, pagamento das mensalidades faltantes sem as penalidades, dentre as possibilidades que podem ser pactuadas entre as partes a partir da análise da situação econômica de cada aluno.

Eis o momento de não nos esquecermos que a educação não pode se restringir aos patrimônios materiais, e por esse ângulo, a orientação dos órgãos de proteção ao consumidor dispõem que a conciliação é o melhor caminho. Boa-fé, solidariedade, ética, preservação de laços, harmonia em lugar do conflito, esse é o caminho mais seguro para que haja continuidade no ensino, seguida da contraprestação dos valores devidos, o que, nas palavras do Senacon, pode efetivar “uma sistemática de pagamento que preserve o direito do consumidor, mas não comprometa economicamente o prestador de serviço diante dos efeitos sistêmicos que possam inviabilizar a futura continuidade da prestação de serviços”.

 

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[1] Advogada. Coordenadora Jurídica do “SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica”. Responsável pelo Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito Educacional.

[2]Estagiária do SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica. Membro do Núcleo Técnico Jurídico de Direito Educacional.

[3] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

[4] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento no Processo nº 2118029-77.2020.8.26.0000. Relator: CAMPOS PETRONI. São Paulo, 09 jun. 2020.

[5] SECRETARIA NACIONAL DO CONSUMIDOR E MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. 1: Nota Técnica. Brasília: Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, 2020.

[6] FUNDAÇÃO PROCON/SP (São Paulo). Nota Técnica: mensalidades do ensino superior. Mensalidades do Ensino Superior. 2020. Disponível em: https://radardoconsumidor.com.br/wp-content/uploads/2020/05/NOTA-TECNICA-ENSINO-SUPERIOR-procon.pdf