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O COMPLIANCE E OS CUIDADOS NECESSÁRIOS ANTES DE GRAVAR AS AULAS ONLINE.

Dr. Edmilson Almeida [1]
Jaime Ferreira [2]

 

Hoje, um brasileiro médio e ativo, sabe o nome de, pelo menos, dois aplicativos de chamadas de vídeo em grupo; organizações tiveram de redesenhar seus produtos e processos para atender a demanda online; e, até mesmo, serviços públicos precisaram inovar e migrar para o digital. A pandemia do novo coronavírus adiantou – não sem muitos atropelos e situações tragicômicas – a inserção tecnológica em, aproximadamente, dez anos. 

Consideramos que estas facilidades são proveitosas, mas, seguramente, trazem consigo desafios para os quais ainda não estamos maduros. Embora, tenhamos vários pesquisadores se debruçando sobre os desafios jurídicos da proteção de dados pessoais e cybersegurança, as famigeradas “aulas online” tem uma questão sensível de direito autoral: afinal, ela pode ser gravada? Sim, mas há uma série de cuidados prévios necessários. Vejamos.

A Constituição Federal assegura, no processo de ensino, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento. Este princípio encontra eco nas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e as excepcionalidades, dessa época de pandemia, não o revogaram. Assim, o deslocamento da “sala de aula” física para o mundo virtual não retira do docente a liberdade típica da sua atuação, nem desobriga as partes dos deveres legais ordinários.

O próprio Conselho Nacional de Educação recomendou que as atividades pedagógicas online, neste período, fossem contabilizadas como parte do calendário letivo regular. A opção por estas ferramentas está debaixo do poder diretivo do empregador (instituição de ensino), mas é altamente recomendado que haja uma condescendência escrita do professor quanto ao uso da sua imagem e voz. A elaboração deste documento, inclusive, tem sido apoiada pelos sindicatos patronais e instituições de classe.

Oportunamente, alguns detalhes são necessários: a cessão deve limitar-se ao período suspensivo das aulas presenciais e o conteúdo gravado destinar-se apenas às turmas e disciplinas da unidade escolar para o qual fora contratado, salvo previsão contratual excepcional e conscientemente acordada. Todos estes cuidados devem ser acompanhados pelo zelo em evitar exposições abusivas e vazamentos de dados pessoais, assim como proteger o material intelectual produzido de desvirtuamento do seu uso. 

Quanto a este último item, a Lei de Direito Autoral é clara ao vedar a publicação, integral ou parcial, das aulas ministradas, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou. Assim, a possibilidade de suas vendas em pendrive ou pelo link na nuvem, a disponibilização paga por meio de plataformas web, a monetização dos vídeos em sites de streaming, tudo isso tem de ser analisado a miúde. Estes casos, inclusive, podem conclamar a violação da propriedade intelectual pela Lei do Software; ou, até mesmo, a prática de crime.

Então, afinal, a escola pode gravar as aulas online? Sim, desde que seja apenas para uso interno, sob pena de sanções legais, salvo casos excepcionais, conforme já advertido. Aliás, a gravação de aulas, longe de ser um constrangimento, deve ser vista como forma de segurança ao professor, pois ele poderá se proteger de eventuais más acusações contra a seu bom trabalho. 

Esta estrutura protetiva é importante tanto para o professor, que evita eventuais excessos constrangedores no uso e divulgação da sua imagem e voz, seja no meio físico, seja virtual; quanto para a escola, por ser medida preventiva de litígios. Há multas e condenações altas, desgastes com ações judiciais e conflitos pessoais que podem ser evitados. 

A pandemia não deu tempo às escolas e universidade de organizarem um programa de compliance institucional – o que é altamente recomendado por controlar os riscos, como ajustes nos códigos e normativas internos. Entretanto, algumas precauções, como essas que sugerimos aqui, podem sanar vários prejuízos.  É que, embora algumas medidas adotadas nesta época de pandemia tenham caráter transitório, os efeitos jurídicos decorrente de atos ilícitos danosos praticados, ainda que com boa-fé, podem seguir por anos a fio e trazer consequências deletérias.

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[1] Advogado. Supervisor Jurídico do “SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica”. Responsável pelo Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito às Inovações e Compliance.

[2] Estagiário do “SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica” e membro do Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito às Inovações e Compliance.