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Dai a César o que é de César… O Direito das Organizações Religiosas de estabelecerem as regras de funcionamento no “Novo Normal”

Dr. Victor Matheus Teles Lima [1]

Gabriel Doriva [2]

Esse mês de junho tem sido marcado pela autorização de funcionamento dos mais variados setores da sociedade por diversos estados da Federação, a exemplo do nosso querido estado de Sergipe [3] . Após três longos meses vários estados [4] já flexibilizam o isolamento, apontado como estratégia mais profícua de combate a pandemia do Corona vírus, e com a liberação de volta ao funcionamento de vários segmentos da sociedade, passamos a etapa que tem sido denominada de “Novo Normal”, isso por que, ao menos pelos próximos meses, enquanto não tivermos uma vacina que erradique o vírus, nada será do mesmo jeito que era antes da pandemia.

Dentre os diversos setores autorizados a retomar, as atividades presenciais das igrejas e diversas outras organizações religiosas têm sido contempladas, e esse é o motivo do nosso artigo. A preocupação é dupla, explica-se! Existe a preocupação jurídica, quanto a atuação do Estado e o respeito à liberdade religiosa e o cuidado que as organizações religiosas devem ter ao estabelecer o “novo normal” sem que tenham que abrir mão de sua liberdade de consciência e crença.

Quanto a atuação do Estado, vale dizer que por garantia Constitucional [5] não é possível qualquer imposição que venha a ferir, modificar ou alterar liturgias de qualquer crença, religião ou denominação. Nesse toar, vale citar apenas como efeitos pedagógicos, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal autorizou o sacrifício de animais em liturgias de cultos das religiões de matriz africana. [6] Dessa forma, fica claro que o Estado não deve e não pode imiscuir-se em como a Igreja celebrará a liturgia (para alguns, o sacramento) da ceia, do batismo ou em outros atos litúrgicos que não são tutelados pelo Estado. Requer-se atenção a esse ponto por que alguns estados têm avançado em seus limites. Caso haja qualquer aviltamento da liberdade religiosa por parte do Estado nesse período de pandemia, pede-se que sejam reportados ao Observatório ANAJURE das Liberdades Civis Fundamentais. [7]

Quanto a atuação da Igreja é importante lembrarmos do princípio da separação entre Igreja e Estado [8] constitucionalmente estabelecido e ensinado pelo próprio Jesus Cristo desde os tempos em que esteve entre nós, como se vê no texto do evangelho de Mateus, capítulo 22, versículo 21: “Então ele lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. ”

Cabe a César (Estado) governar os seus, e a Igreja estabelecer seu governo. Isso não quer dizer de forma alguma que devemos desobedecer às leis civis, pelo contrário devemos respeitar e obedecer às autoridades constituídas (Romanos 13.1-2) [9] . No entanto, não devemos tolerar abusos e combater o autoritarismo e a intervenção estatal na atividade religiosa.

Assim, rogamos que as Igreja Brasileira, possa servir de exemplo ao estabelecer as regras de retomada das atividades presenciais, utilizando-se dos parâmetros científicos, obedecendo as normativas das Secretarias de Saúde dos Estados, Munícipios, do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, lembrando sempre que a nossa justiça deve exceder a dos fariseus [10] como bem nos ensinou o Mestre, mas sem deixar que o César governe a Igreja de Cristo, pois a “César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

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[1] Advogado Júnior do SS Advocacia, Assessoria e Consultoria Jurídica, pós-graduando em Ciências Criminais e integrante no Núcleo Técnico Jurídico de Direito das Organizações Religiosas.
[2] Estagiário em Direito do SS Advocacia, Assessoria e Consultoria Jurídica, acadêmico da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe.
[3] Governo de Sergipe apresenta plano de retomada da economia com previsão de início no dia 23 de junho. Fonte:
https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2020/06/15/governo-de-sergipe-apresenta-plano-de-retomada-da-economia-com-previsao-de-inicio-no-dia-23-de-junho.ghtml. Acesso em 16 de junho de 2020 às 10h25.
[4] Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência de Estados, Distrito Federal e Municípios de estabelecer medidas de combate a Covid-19. Veja: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441447&ori=1. Acesso em 16 de junho de 2020 às 10h20.
[5] Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[6] STF declara constitucionalidade de lei gaúcha que permite sacrifício de animais em rituais religiosos. Fonte:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=407159. Acesso em 16 de junho de 2020 às 10h58.

[7] O Observatório das Liberdades Civis Fundamentais da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos tem se averiguado casos suspeitos de violação a direitos e garantias fundamentais, em especial a liberdade religiosa, caso queira enviar alguma denúncia clique no link a seguir: https://anajure.org.br/observatorio/
[8] Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
[9] Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se opondo contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.
[10] Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus. Mateus 5.20