Jusbrasil

AS FAKENEWS, O CULPADO DESCONHECIDO E O DESAFIO DA AUTORIA ONLINE

Dr. Edmilson Almeida[1]

Jaime Ferreira[2]

As fake news não são um fenômeno recente. Aliás, lidar com a criação e o compartilhamento de notícias falaciosas e rumores imprecisos, de autenticidade duvidosa, nos remete às histórias mais antigas das relações sociais humanas. Entretanto, diferente do boato difamatório, promovido pelas “senhoras fofoqueiras”, típico de cidadelas do interior do Brasil, a capacidade de automação das ferramentas tecnológicas, amplia o potencial lesivo das informações falsas, podendo influenciar diretamente na governabilidade de um país, desestruturar instituições ou deslegitimar autoridades constituídas.

Apesar desta seriedade, dos crescentes e gravosos danos a cada novo fato compartilhado e das várias tentativas já implementadas, nenhuma delas, por quaisquer poderes, instituições ou níveis federados, tem sido realmente eficazes nesse combate. Citamos, como exemplo, (i) a polêmica decisão na ADI 4451, pelo STF, que discutiu a legitimidade da veiculação de sátiras, charges e manifestações de humor durante campanhas eleitorais[3]; (ii) as ações que tramitam junto ao TSE (n. 0601369-44 e 0601401-49) sobre contratações não declaradas para o envio em massa de mensagens[4]; e (iii) o Inquérito 4781, em andamento no STF, que tem como objetivo a investigação de ameaças, notícias fraudulentas contra ministros do STF e seus familiares[5].

Procurando contribuir com o assunto, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 2630/20, cujo objetivo é instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet[6]. Dentre as emendas apresentadas, uma delas se refere à obrigatoriedade de confirmação de dados pessoais junto às redes sociais. Na prática, isto significaria, pelo menos, a confirmação da identidade e localização de cada usuário na abertura da sua conta, pois alega-se que “seria a única forma de impedir a atividade das chamadas contas inautênticas, aquelas direcionadas à propagação de desinformação nas redes[7].

A princípio, entendemos que há uma demanda reprimida, qual seja, o combate imediato às fake news, que prestam um desserviço à República, mas, para tanto, é preciso não apenas um esforço dos órgãos do poder judiciário e outros entes e entidades oficiais, como também a colaboração das instâncias sociais, tais quais as instituições vinculadas à imprensa e aquelas envolvidas com o ambiente de tecnologia. O ponto nevrálgico nesta discussão é, na verdade, qual medida seria proporcional, necessária e eficaz ou, em outra palavras, a melhor “forma de identificar os responsáveis por ilícitos sem interferir excessivamente no modelo de negócio ou na privacidade dos usuários[8].

Esta preocupação é legítima, pois a linha que separa a tentativa de regulação do risco de cerceamento à liberdade de expressão é tênue: as três maiores redes sociais, atuantes no Brasil, na atualidade (Instagram, Facebook e Twitter) já sofreram inúmeras acusações de censura[9], cuja discussão já chegou até mesmo ao judiciário[10] e envolve outros temas bem delicados na área digital, como a importância dos termos de uso e a limitação de liberdades civis fundamentais –  vide, por exemplo, os tumultos gerados envolta da publicação da Resolução n. 305, do CNJ, que definia os parâmetros que deveriam ser adotados por magistrados nas redes sociais[11].

Ademais, neste ínterim, é necessário recordar que não são apenas aqueles os instrumentais por meio qual há propagação de fake news: aplicativos de troca de mensagens instantâneas, como o Whatsapp; e os meios de comunicação mais tradicionais, também merecem um olhar especial, pois são vítimas (ou agentes) destas distorções. Na verdade, trata-se de uma revisitação completa dos efeitos jurídicos da comunicação em meio à tecnologia.

Diante deste cenário de “complexidades conceituais e técnicas envolvidas“, é oportuna a cautela do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)[12], para que haja mais discussões sobre o assunto. Inclusive porque, mais especificamente ao tema de proteção de dados pessoais – mas que pode ser ampliado a outras discussões afins, como esta – nos filiamos ao Dr. Bruno Bioni, para quem a melhor saída para a composição destes diversos interesses e direitos é o investimento no desenvolvimento de novas tecnologias apropriadas[13].

[1] Advogado. Supervisor Jurídico do “SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica”. Responsável pelo Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito às Inovações e Compliance.

[2] Estagiário do “SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica” e membro do Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito às Inovações e Compliance.

[3] Sobre o assunto, o Desembargador Ingo Wolfgang Sarlet pondera ser “crucial que o combate às ‘fake news’ se dê pelos meios legais disponíveis (e adequados, é de se acrescentar) e pela boa imprensa (…) mas não — pelo menos em regra e à partida — com a sua abrupta e agressiva remoção” (SARLET, Ingo Wolfgang. As fake news e o STF: ainda há o que fazer. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-jun-13/observatorio-constitucional-fake-news-stf-ainda>).

[4] Ao todo, tramitam na corte eleitoral oito Ações de Investigação Judicial Eleitoral envolvendo a chapa presidencial eleita em 2018. O ministro Og Fernandes, relator desses processos, enviou consulta ao ministro Alexandre de Moraes sobre o compartilhamento de informações do Inquérito nº 4.781/DF, por entender que há inegável relação de identidade com as ações.

[5] Conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, o inquérito foi aberto em março de 2019 para apurar ameaças contra os ministros da Corte. O inquérito foi oficialmente alvo de uma ADPF, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, cuja votação foi iniciada pelo relator, Ministro Luiz Edson Fachin, e será retomado em 17/06/2020.

[6] Disponível em < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944>.

[7] Disponível em < https://www.conjur.com.br/2020-jun-09/direito-tecnologia-impasse-contas-inautenticas-regulacao-redes>.

[8] Disponível em < https://www.conjur.com.br/2020-jun-09/direito-tecnologia-impasse-contas-inautenticas-regulacao-redes>.

[9] Zuckerberg cita exclusão de post de Bolsonaro como exemplo de que Facebook age contra informações falsas. Disponível em <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/05/21/zuckerberg-cita-exclusao-de-post-de-bolsonaro-como-exemplo-de-que-facebook-age-contra-informacoes-falsas.ghtml>.

[10] Facebook não indenizará Eduardo Bolsonaro por remover posts que violaram regras da rede social. Disponível em < https://www.migalhas.com.br/quentes/323429/facebook-nao-indenizara-eduardo-bolsonaro-por-remover-posts-que-violaram-regras-da-rede-social>.

[11] Anamatra pede que Supremo suspenda resolução do CNJ sobre redes sociais. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2019-dez-19/anamatra-stf-suspenda-resolucao-cnj-redes-sociais>.

[12] NOTA PÚBLICA sobre projetos de lei que tratam dos processos de desinformação, liberdade, responsabilidade e transparência na Internet. Disponível em < https://cgi.br/esclarecimentos/ver/nota-publica-sobre-projetos-de-lei-que-tratam-dos-processos-de-desinformacao-liberdade-responsabilidade-e-transparencia-na-internet.pdf >.

[13] BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019.