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Concorrência Desleal (Trade Dress): veja cinco dicas jurídicas para inovar no Design de Produtos

por Edmilson Almeida[1]

Imagine que você teve uma ideia brilhante. Fez todas as pesquisas e análises necessárias. Investiu tempo, dinheiro e esforço para desenvolver um produto novo que, certamente, atenderia às necessidades das pessoas. Escolheu zelosamente cada detalhe da identidade visual e, especialmente, uma embalagem que passasse exatamente a comunicação desejada. Tudo tem de estar impecável, afinal, “o consumidor compra primeiro com os olhos”.

Anos se passaram e, após o sucesso, alguém pega um atalho: imita sua proposta, copia os elementos externos da embalagem, põe a venda um produto similar, provocando uma reação involuntária e em cadeia, pois centenas de pessoas queriam comprar o seu item, mas, por engano (ou não), levaram este outro. Pegar carona no design de uma peça já consolidada, para fazer suas vendas alavancarem, caracteriza “Concorrência Desleal”.

Este conflito foi discutido em vários casos julgados pelas cortes brasileiras. Só no ano passado (2019), eis alguns destaques:

  • Engov vs Posdrink[2]

 

 

 

 

  • Futurinhos Black vs Oreo[3]

 

 

 

 

  • Bombril vs Tecbril[4]

 

 

 

  • Jequiti vs Natura[5]

 

 

 

 

  • Biotônico Fontoura vs outras[6]

 

 

 

 

O trade dress constitui o “conjunto-imagem” identificador e distintivo dos produtos colocados no mercado, para evitar confusões pelo consumidor. Não se trata de exigências inerentes à técnica ou funcionalidade própria, como a fórmula ou os ingredientes utilizados, nem ao registro da marca da empresa, mas a composição de elementos visuais e gráficos do artigo individualmente considerado, como por exemplo, cores, forma da embalagem, tampa, disposição de letras e imagens.

No caso do Engov vs Posdrink, por exemplo, a 3ª Turma do STJ entendeu que a discussão aventada “Não se trata de simples utilização de cores semelhantes, mas de imitação de todo o aspecto visual (original e distintivo) da embalagem criada”. Portanto, não bastaria a fixação de marcas diferentes, pois teria havido “imitação de elementos (tamanho, formas, cores, disposição) que compõem a percepção visual do invólucro do medicamento…”. Na prática, sendo um fármaco “já consolidado e respeitado no mercado em que inserido, seus consumidores estejam habituados a escolhê-lo com base na aparência externa, relegando a marca estampada para um plano secundário[7], o que causaria confusões.

Este debate ainda é incipiente no Brasil, mas tem amadurecido cada vez mais. As cortes nacionais saíram de um momento quando bastava o “instinto natural”, onde pairava o subjetivismo a “olho nu”, para julgar o risco de confusão da apresentação dos bens sob análise. Desde meados de 2017, o Superior Tribunal de Justiça tem procurado uniformizar a jurisprudência e, sistematicamente, reafirmado a necessidade de perícia técnica para determinar o nível de “suficiência distintiva” em cada caso[8].

Em mais de uma oportunidade, o STJ já se posicionou quanto à necessidade da perícia avaliar não apenas os traços e as cores, mas também “aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço[9]. Esta é uma linha de pensamento bastante sóbria, pois não isola o trabalho do design e leva em consideração os efeitos práticos no contexto em que está envolto, como o mercado e o consumidor.

Mais recentemente, no caso do Futurinhos Black vs Oreo, o TJ-PR aplicou precedentes da própria corte especial e elevou a discussão a um patamar ainda mais minucioso. O desembargador relator criticou a decisão recorrida por basear-se apenas na “comparação visual das embalagens (…) não havendo absolutamente nenhuma análise técnica quanto a colidência do conjunto imagem”. Entretanto, tornou a decisão mais complexa ao indicar que “o caso em tela versa sobre nicho específico, cujos produtos tendem, invariavelmente, a seguir um padrão de mercado com as mesmas cores e imagens…[10].

Ora, mas o que tudo isso tem a ver com inovação? Gerar algo novo exige criatividade. É possível haver mais de um bem para solucionar os mesmos problemas dos consumidores e estes irão disputar sua fatia no mercado. Entretanto, isto não pode ser feito a partir de uma concorrência desleal e violação ao trade dress. Numa sociedade hiperconectada como a nossa, as informações correm rapidamente, os dados são compartilhados (quase) ilimitadamente e qualquer detalhe poderá provocar uma demanda judicial que ocasionará, no mínimo, o custo da retirada de todos os itens irregulares dispostos à venda.

Assim, à luz do direito e, especialmente, da experiência jurisprudencial brasileira, é necessário que o empreendedor e o design de produtos (I) estejam atentos aos seus concorrentes para evitar similaridades notórias e injustificadas; (II) conheçam o padrão comportamental do seu consumidor potencial, a fim de que não incorram em confusão de produtos; (III) constituam provas ao seu favor, justificando estratégica e tecnicamente toda escolha na concepção da embalagem; (IV) não repousem sua garantia no nome diferente ou no registro da marca da empresa, pois isto não tem sido considerado suficiente; (V) estejam amparados por uma assessoria jurídica que conheça as exigências do tema.

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[1] Advogado Sênior. Coordenador Jurídico da SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica e responsável pelo Núcleo Técnico-Jurídico de Direito Digital e Inovação da firma.

[2]https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI316354,41046-Engov+ganha+acao+contra+Posdrink+por+concorrencia+desleal

[3]https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI313037,81042-Suspensa+proibicao+da+venda+de+Futurinhos+Black+por+semelhanca+com

[4]https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI317790,81042-Bombril+nao+consegue+impedir+uso+de+marca+Tecbril+por+industria

[5] https://www.conjur.com.br/2019-out-14/grupo-jequiti-indenizar-natura-uso-indevido-marcas

[6] https://www.conjur.com.br/2020-jan-13/tj-sp-condena-empresa-copiar-trade-dress-biotonico-fontoura

[7] STJ. Acórdão Recurso Especial nº 1.843.339 – SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Publicado em 05/12/2019.

[8] https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI303795,51045-O+trade+dress+e+o+posicionamento+do+STJ

[9] STJ. Acórdão Recurso Especial nº 1.778.910/SP. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Publicado em 05/12/2018.

[10] https://www.conjur.com.br/dl/desembargador-cassa-liminar-trade-dress.pdf