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A ESCOLA SOB “FOGO CRUZADO”: O QUE FAZER QUANDO HÁ CONFLITOS ENTRE PAIS SEPARADOS?

Dra. Danielle Trindade Freitas Lisboa [1]

Com mais ou menos detalhes, a história se repete em qualquer escola brasileira: os pais separados mal se falam e tem opiniões diferentes sobre a condução da educação do filho matriculado. Em um dia aleatório, o genitor decide ir à escola e buscar a criança de surpresa ou solicita informações sobre o pagamento da mensalidade, já que ele paga a pensão. O que a escola deve fazer: entregar tudo o que for solicitado ou ser cautelosa? Neste assunto, não há reposta sempre certa, pois cada detalhe faz diferença.

Ambos os pais, embora separados, partilham o dever natural e humanitário de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos básicos aos seus filhos menores: vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária (art. 227, da CF/88). Não à toa, mesmo que apenas um dos ex-cônjuges tenha a guarda, remanesce o direito de visita e o dever de auxílio na manutenção e sobrevivência pelo outro.

Portanto, os dois genitores têm direito de visitar o filho no ambiente escolar, de acompanhar sua evolução pedagógica e de fiscalizar os serviços escolares (especialmente em dias de protocolos sanitários restritos, por ocasião da pandemia do COVID-19). Entretanto, como o mundo real é cheio de más-surpresas, a administração escolar não pode estar alheia ao contexto familiar. Certamente, haverá oportunidades nas quais um dos pais usará tais informações legítimas para constranger o antigo parceiro.

É neste momento que a Escola deve ter muito cuidado, atenção e sensibilidade, pois ela não pode deixar de relatar a um pai ou mãe informações relativas ao filho, como eventuais dificuldades do aprendizado ou de relacionamento, visto que é dever familiar precípuo tratar destes assuntos. Por outro lado, a Escola não pode passar livremente dados que comprometam o ex-cônjuge, pois são informações que não mais interessam ao solicitante, como novo endereço ou alterações do responsável financeiro pelo contrato, por exemplo.

Sobre esse assunto, destaca-se recente decisão da 32ª Vara Cível de São Paulo[1]: o juiz determinou que a organização educacional apresentasse documentos sobre matrícula, frequência e pagamentos do filho do Requerente na instituição. Explica-se o contexto: o pai era judicialmente obrigado a arcar com as despesas escolares do seu filho e, para isso, depositava o valor integral das mensalidades na conta corrente da mãe, mas não recebia qualquer prestação de contas. Após receber as informações no curso do processo, descobriu que pagava valor maior, pois o estudante tinha 50% de desconto.

Neste caso supra apresentado, o interesse do genitor era direto, pois sabia-se que ele era o responsável financeiro pelo contrato. Nesse sentido, recomendamos às Escolas algumas precauções necessárias:

  • Manter atualizado o banco de dados escolar quanto aos responsáveis pedagógicos e financeiros, além do status familiar, solicitando sempre os documentos comprobatórios, como a sentença de eventual ação de alimentos ou acordo firmado entre as partes;
  • Arquivar os documentos em repositório de fácil consulta pelas pessoas competentes, na administração escolar, para ter uma prestação ágil;
  • Fixar regras claras para o dia-a-dia escolar e deixar os genitores cientes do procedimento e das hipóteses de exceção;
  • Manter canal aberto de comunicação com ambos os pais e solicitar autorizações sempre por escrito ou outra forma de fácil averiguação de autenticidade;
  • Quando houver dúvidas, ser cautelo e nunca optar por uma situação que ponha a criança menor em risco; e
  • Ser sempre cordial e empático, pois trata-se de direitos e deveres legítimos de cuidado dos pais sobre seus filhos.

 


[1] Advogada do “SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica” e membro do Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Direito Educacional

[2] https://www.conjur.com.br/2021-fev-17/pai-paga-faculdade-filho-informado-mensalidades