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CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS: “INSIDER TRADING

Dr. Uziel Santana[1]

Demétrius Eleutério[2]

 

Dentro dos diversos crimes contra o mercado de capitais, o mais conhecido e talvez mais consolidado, no que se refere ao posicionamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é o Insider Trading. Conforme preceitua a CVM, Insider Trading é:

“ […]qualquer operação realizada por um ‘insider’ – ou seja, toda pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a ‘informações relevantes’ relativas aos negócios e situação da companhia – com valores mobiliários de emissão da companhia, e em proveito próprio” ou para outrem.”

E a nível legal, o artigo 27-D da Lei nº 6.385/76, dispõe:

“Art. 27-D.  Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. ”

A partir deste preceito legal deve se seguir a definição do que seria “informação relevante”, uma vez que há na legislação penal brasileira, cabendo a doutrina sua conceituação. Seguindo João Carlos Castellar, esta informação possui capacidade de “influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado”, produzindo “apetência – ou seja, desejo – pela compra ou venda de ativos”, de maneira a “influenciar a evolução da cotação”[3].

Importante abordar que tais informações possuem determinadas características, que segundo a Barja Quiroga[4], são: i) caráter não público da informação; ii) capacidade para influenciar de maneira sensível a cotação de títulos ou valores mobiliários; e iii) caráter concreto (preciso) da informação.

Em termos práticos – utilizando os ensinamentos de Nelson Eizirik – o delito consiste em vantagem de um ou mais indivíduos sobre determinada companhia – no que se refere a informações relevantes – tendo como consequência a negociação de suas ações de forma prévia à divulgação pública das informações que obtivera[5].

Tratando-se de julgados, o mais significativo foi o RE 1.569.171-SP, da 5ª turma do STJ, na ocasião os agentes (executivos da Sadia, à época) que se utilizaram de informações privilegiadas sofreram condenação de reclusão de 2 anos e 2 meses, e de 1 ano e 8 meses na ocasião a Sadia de Alimentos S.A.

Em suma, os executivos foram denunciados pela prática de crime contra o mercado de capitais (especificamente o do art. 27-D, da Lei n. 6.385/76), concomitante ao art. 71 do Código Penal, por terem negociado nos Estados Unidos da América, no ano de 2006, valores mobiliários sobre a oferta pública de aquisições de ações da Perdigão S. A., valendo-se de informações privilegiadas que obtiveram em razão dos cargos que ocupavam na empresa Sadia S.A[6], em outras palavras, insider trading.

Na oportunidade supramencionada, os executivos realizaram compras de 5100 ADRs – American Depositary Receipts, ou seja, recibos de ações emitidos nos EUA para negociações fora do país na Bolsa de Nova Iorque – da Perdigão em Nova Iorque, e posteriormente 30.600 ADRs, contudo 1 mês após a segunda compra a Sadia realizou oferta pública pela Perdigão, implicando em alta valorizações do capital aos acionistas. Neste diapasão, comprovado o uso de informação privilegiadas por parte dos executivos, os mesmos sofreram as sanções em primeira instância, as quais foram basilares para a decisão do STJ – Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, é importante ressaltar que este crime não é direcionado apenas a quem obtém a informação, mas também a quem disponibiliza, visto que a Lei 6.404/76 (Disposições acerca das Sociedades por Ações), em seu artigo 155, § 1º, transcreve a responsabilidade do administrador de companhia aberta tanto em guardar sigilo de toda e qualquer informação que não tenha sido divulgada ao mercado, como também de zelar para que subordinados ou terceiros de confiança venha praticar o delito (§2º).

 


[1] Advogado Master. Sócio-Fundador do SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica. Coordenador do Núcleo Técnico-Jurídico de Mercado de Capitais da firma.

[2] Estagiário e membro do Núcleo Técnico Jurídico (NTJ) de Mercado de Capitais.

[3] CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 112-113.

[4] BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 10º ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 572.

[5] Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, 1983, p. 43.

[6] RECURSO ESPECIAL Nº 1.569.171 – SP (2014/0106791-6)