Dra. Juliana Camargo[1]
Matheus Teixeira[2]
A objeção de consciência médica e a negativa de aborto tem sido um assunto bastante discutido atualmente, em razão do recente caso da menina de dez anos que, ao descobrir uma gravidez de 22 semanas decorrente de reiterados estupros praticados por seu tio, optou pela realização de um aborto.
Acontece que, inicialmente, a vítima fora recebida no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (HUCAM), no Espírito Santo, tendo-lhe sido negado o abortamento sob o argumento de que a gestação teria ultrapassado o limite estipulado pelo Ministério da Saúde. Embora a superintendente do hospital tenha afirmado que a não realização do aborto não teria se fundado em razões religiosas ou ideológicas, cogitou-se, em um primeiro momento, que a recusa teria sido fruto de objeção de consciência dos médicos.
Primeiramente, importante destacarmos que o Código Penal traz, em seu art. 128, os casos em que não se pune o aborto praticado por médico. São eles: Aborto necessário, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e o Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. Ademais, importante registrarmos ainda, que em 2012 o STF firmou entendimento de que o médico também não poderá ser punido nos casos de abroto de fetos com anencefalia. Neste viés, é desnecessário que a mulher apresente denúncia ou o Boletim de Ocorrência para realização do aborto, não podendo o hospital e/ou médico se negar a realizá-lo.
Mas o que consiste a objeção de consciência? A consciência é uma categoria ética muito ligadas as questões internas do indivíduo, diretamente ligadas aos conceitos de “certo” e “errado”, de “bem e “mal”. Trata-se dos valores morais do ser humano, que lhe revela qual o comportamento mais adequado em uma situação específica. E a consciência do médico está inteiramente ligada à sua autodeterminação por se tratar de um elemento constitutivo desta.
Nesse sentido, a decisão de consciência consiste no produto do ato deliberativo que obedece aos imperativos dessa instância interna individual. Assim, se o indivíduo opta, por razões de consciência, por abster-se em relação a determinada prática, trata-se de uma objeção de consciência, que, no âmbito médico, tem relevância sobretudo em casos de aborto, suicídio assistido e eutanásia, nos países em que essas práticas são concebidas como lícitas.
A objeção de consciência tem como fundamento jurídico-constitucional o direito à liberdade de consciência prevista no art. 5º, VI, CR, contudo não encontra, no ordenamento jurídico brasileiro, uma regulamentação legal específica que estabeleça os seus contornos.
Vale ressaltar o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09) que, embora não possua força de lei, estabelece, em seu Capítulo II, item IX, que o médico tem o direito de recusar-se a realizar procedimentos que, embora lícitos, violem seus imperativos de consciência. Porém, ainda que seja possível a recusa por parte do médico como regra, o mesmo código determina que há o médico não poderá “descumprir legislação específica nos casos de transplante de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética”.
Diante disso, na tentativa de estabelecer contornos – e sobretudo limites – mais concretos à objeção de consciência nessas hipóteses específicas, o Ministério da Saúde elaborou dois instrumentos normativos relevantes: a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento e a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes.
As citadas normas estabelecem quatro situações em que não poderá o médico deixar de realizar o procedimento por razões de consciência quando: houver risco de morte à paciente; urgência decorrente de complicações em abortamento inseguro; o aborto for juridicamente permitido e não houver outro profissional capaz de realizá-lo; a omissão do profissional for potencialmente danosa.
Ademais, tentando trazer contornos e garantias a objeção de consciência médica, as normas também estabeleceram que é “dever do Estado e dos gestores de saúde manter nos hospitais públicos profissionais que não manifestem objeção de consciência e que realizem o abortamento previsto por lei”. Dessa forma, ela dita regras, afirmando que e que é dever do médico informar a mulher sobre seus direitos e também garantir a atenção ao abortamento por outro(a) profissional da instituição, não sendo possível negar o pronto atendimento, afastando-se, assim, situações de negligencia, omissão ou postergação de conduta que viole a lei, o código de ética profissional, e os direitos humanos das mulheres.
Dessa forma, caso se admita a existência do dever do médico em realizar o aborto conforme previsto em todas as legislações e normas técnicas, seu eventual descumprimento poderá constituir, em princípio, apenas uma infração ética, capaz de conduzir à suspensão do exercício profissional do médico, nos termos do item II do Capítulo XIV do Código de Ética Médica.
Nesse contexto, é importante salientar que é dever do Estado criar alternativas neutras à consciência quando o conflito for previsível e garantir que os serviços de referência sejam compostos por médicos dispostos a realizar o procedimento lícito, assegurando, assim, o exercício seguro do direito dos pacientes.
[1] Juliana Camargo Mendonça Lopes, advogada e coordenadora do Judicial do escritório de advocacia SS Advogados e Associados, Graduada em Direito e Pós-graduada, em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Tiradentes – Unit de Aracaju/SE
[2] Estagiário do SS Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica. Membro do Núcleo Técnico-Jurídico de Direito Médico da firma.